O pedreiro Joaquim Gomes desembarcou em Brasília no início dos anos 70
para fugir da pobreza na qual vivia em Paracatu, Minas Gerais. Trouxe junto a
esposa, a faxineira Benedita, e os oito filhos. Dentre eles, estava o jovem
Joca, que tinha um objetivo muito claro: fugir da irrelevância – sina reservada
a milhares de negros, pobres e migrantes como ele. Começou fazendo bicos –
inclusive como faxineiro. Dedicado, acabou sendo chamado para trabalhar como
datilógrafo na gráfica do Senado. Ontem, quase quatro décadas depois, aos 58
anos de idade, Joca tornou-se o primeiro negro a assumir a mais alta corte
judicial do país.
Joca era o apelido de infância do ministro Joaquim Benedito Barbosa
Gomes, que tomou posse na quinta-feira como presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), em substituição a Ayres Britto, que se aposentou.
Determinação
Uma das principais características de Barbosa que o levou aonde chegou
foi a determinação – algo que que ficou claro durante o julgamento do mensalão,
mas que sempre o acompanhou.
O trabalho na gráfica do Senado, seu primeiro emprego, não era
exatamente atraente. Mas ele não tinha escolha. O jovem Barbosa trabalhava
das 18h às 4h da madrugada datilografando textos para o Jornal do Senado. Nesse
período, passou no vestibular para Direito, na Universidade de Brasília (UnB),
e teve que se desdobrar para se manter na faculdade e no trabalho.
Segundo antigos colegas, algumas vezes, Barbosa dormia na oficina
porque não sobrava tempo para voltar para casa. Ainda assim, fazia seu trabalho
direito. “Ele era compenetrado, muito atento no serviço”, atesta o
ex-coordenador de produção Mário César Pinheiro Maia, chefe de Barbosa na
gráfica e ainda hoje amigo do ministro. Maia também era técnico do Photon, o
time da gráfica em que Barbosa jogava como ponta-esquerda: “Ele gostava de
driblar, não soltava a bola. Era fominha, mas jogava bem”.
“Quando ele não estava trabalhando, estava estudando. Teve uma vida
sofrida, mas era bom menino”, lembra José de Lourdes, parceiro de Barbosa em
longas madrugadas de trabalho. Quase sempre calado, Barbosa não aceitava
provocação. Segundo Lourdes, certa vez, um colega faixa preta em judô fez uma
brincadeira de mau gosto. Barbosa rasgou um palavrão e exigiu que o lutador se
retratasse. Assim, impôs respeito.
Na UnB, Barbosa teve uma passagem discreta. No período, os estudantes
estavam divididos entre progressistas, que queriam derrubar a ditadura militar,
e conservadores, alinhados com o regime. Segundo o ex-reitor da UnB José
Geraldo de Sousa, contemporâneo de faculdade do ministro, Barbosa era um
reformista. Queria mudar o sistema, mas dentro das regras estabelecidas.
Apesar disso, diz o ex-reitor, naquele período Barbosa estava mais
concentrado nos estudos do que no movimento estudantil. Ainda na UnB, Ele
passou no concurso para oficial de chancelaria do Itamaraty. A partir daí, a
carreira deslanchou. Foi procurador jurídico do Ministério da Saúde, fez
mestrado, doutorado e passou no concurso de procurador do Ministério Público
Federal. Aprendeu a falar francês, inglês e alemão.
Ironia
Em 2003, quando Lula procurava por um negro para indicar ao STF,
Barbosa já tinha o currículo recheado de referências nacionais e
internacionais. Mas a escolha não foi fácil. Rememorada hoje, a história é
cheia de ironias.
O advogado Antonio Carlos “Kakay” de Almeida Castro, que viria a ser
defensor de réus do mensalão, afirma que marcou um encontro de Barbosa com o
então ministro da Casa Civil José Dirceu – classificado pelo hoje presidente do
STF como o chefe da quadrilha do mensalão. Logo depois, o ex- ministro da
Justiça Márcio Thomaz Bastos – outro advogado dos acusados do mensalão – entrou
no circuito e ajudou a assegurar a indicação do então procurador por Lula.
Já como ministro do Supremo, Barbosa acabou sendo designado, em 2007,
para relatar o caso do mensalão – esquema que Lula sempre negou ter existido.
“Joca” demonstraria ser implacável com esse caso de corrupção. Hoje, virou
herói nacional da moralidade pública e motivo de satisfação para sua mãe,
Benedita Gomes da Silva. “Estou muito orgulhosa”, disse ela, durante a posse do
filho. O pai – Joaquim como o filho – não teve a oportunidade de ver o auge do
ministro. Morreu há dois anos.
Fonte: Gazeta do Povo
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