"O capitão, num dia de 1984,
descarregou a arma, tirou a braçadeira e saiu para a avenida Tiradentes com
jeito de quem tinha deixado o coração para trás, dentro de uma viatura da ROTA.
E doeu, como um tiro de bandido. Depois, vieram quase três mil dias de exílio.
Milhares de horas, contadas nos dedos, igual prisioneiro que vai riscando na
parede o tempo que falta para a liberdade. O capitão nunca se separou do
hand-talkie, o rádio da PM, sempre ligado na frequência da ROTA, onde, mesmo de
longe, ouvia o som dos tiroteios e das sirenes. E doía.
Mas a gora o capitão Antônio
Bezerra da Silva voltou para o seu quartel- sete anos e nove meses depois que o
governador Franco Montoro decidiu dispersar os homens da ROTA, na tentativa de
acabar com uma polícia que tinha se tornado um mito. Um mito violento demais,
dizia o então secretário da Justiça, José Carlos Dias, em nome dos direitos
humanos.
Mas foram muito forte os apelos para
que o governador mantivesse a ROTA nas ruas. Ele manteve, mas dispersou os
homens por outra unidades da Polícia Militar - os mesmos homens que, agora,
estão voltando para o quartel como quem chega de um longo exílio. E o capitão
Bezerra está de novo ali, no memento em que o Batalhão Tobias de Aguiar faz 100
anos. Ao lugar onde viveu durante 10 anos. De uma janela, ele aponta para o
jardim do pátio e repete: 'Quando eu morrer, quero ser cremado e ter minhas
cinzas espalhadas bem aqui'.
Tem muita gente, diz o capitão, que
não consegue entender um homem que tem a ROTA injetada na veia, que convive com
metralhadoras, carabinas e um jeito de fazer polícia como quem está feliz ao
lado de uma mulher...
'Não dá para explicar o que a gente
sente pela ROTA' fala o capitão Bezerra. Ele tenta. 'Talvez seja como saltar de
paraquedas pela primeira vez', compara. 'Uma mistura de medo, felicidade, de
coisa desconhecida, de desafio...' E, mil dias depois da última ronda numa
ronda numa viatura das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, o capitão vai às
ruas para lembrar os velhos tempos. Com os olhos brilhando, o coração pulando
como criança na montanha russa".
Fonte: Jornal da Tarde, 02 de
dezembro de 1991
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