domingo, 3 de março de 2013

O CAPITÃO VOLTA AO QUARTEL. COMO SE CHEGASSE DO EXÍLIO"



"O capitão, num dia de 1984, descarregou a arma, tirou a braçadeira e saiu para a avenida Tiradentes com jeito de quem tinha deixado o coração para trás, dentro de uma viatura da ROTA. E doeu, como um tiro de bandido. Depois, vieram quase três mil dias de exílio. Milhares de horas, contadas nos dedos, igual prisioneiro que vai riscando na parede o tempo que falta para a liberdade. O capitão nunca se separou do hand-talkie, o rádio da PM, sempre ligado na frequência da ROTA, onde, mesmo de longe, ouvia o som dos tiroteios e das sirenes. E doía.

Mas a gora o capitão Antônio Bezerra da Silva voltou para o seu quartel- sete anos e nove meses depois que o governador Franco Montoro decidiu dispersar os homens da ROTA, na tentativa de acabar com uma polícia que tinha se tornado um mito. Um mito violento demais, dizia o então secretário da Justiça, José Carlos Dias, em nome dos direitos humanos. 


Mas foram muito forte os apelos para que o governador mantivesse a ROTA nas ruas. Ele manteve, mas dispersou os homens por outra unidades da Polícia Militar - os mesmos homens que, agora, estão voltando para o quartel como quem chega de um longo exílio. E o capitão Bezerra está de novo ali, no memento em que o Batalhão Tobias de Aguiar faz 100 anos. Ao lugar onde viveu durante 10 anos. De uma janela, ele aponta para o jardim do pátio e repete: 'Quando eu morrer, quero ser cremado e ter minhas cinzas espalhadas bem aqui'.


Tem muita gente, diz o capitão, que não consegue entender um homem que tem a ROTA injetada na veia, que convive com metralhadoras, carabinas e um jeito de fazer polícia como quem está feliz ao lado de uma mulher...


'Não dá para explicar o que a gente sente pela ROTA' fala o capitão Bezerra. Ele tenta. 'Talvez seja como saltar de paraquedas pela primeira vez', compara. 'Uma mistura de medo, felicidade, de coisa desconhecida, de desafio...' E, mil dias depois da última ronda numa ronda numa viatura das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, o capitão vai às ruas para lembrar os velhos tempos. Com os olhos brilhando, o coração pulando como criança na montanha russa".

Fonte: Jornal da Tarde, 02 de dezembro de 1991

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