Prestes a completar três anos no
cargo de comandante geral da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, o coronel
Francisco Canindé de Araújo Silva fala de sua trajetória em entrevista ao
Portal BO. De origem humilde, mas de formação pessoal firme, o oficial é uma
das figuras mais populares da história da PM potiguar, tanto que se manteve na
função mesmo com mudança de governo. Araújo conta que teve que trabalhar como
borracheiro, durante a adolescência, para ajudar o pai no sustendo da família e
que hoje, formado em Letras e ocupando o principal cargo da Polícia Militar,
está feliz por ter conseguido ultrapassar barreiras e vencer na vida.
Como o senhor entrou na Polícia
Militar?
Eu servi ao Exército, aos 18 anos,
mas depois fiz concurso para Polícia Militar e fui aprovado em primeiro lugar
para cadete. Naquela época, a gente podia escolher entre o Ceará e Pernambuco
para fazer a formação. Escolhi ir para a academia de Paudalho, em Pernambuco, e
depois de formado voltei ao Rio Grande do Norte.
Quando assumiu uma vaga na Polícia
Militar passou pela cabeça que um dia poderia ser comandante geral?
O sonho de todo cadete é ser oficial,
depois ser coronel e, um dia, ser comandante. Esse é um sonho que eu acredito
que todo cadete deve ter, mas é um objetivo que pode não ser realizado, porque
somente um ocupa essa vaga. Claro que é difícil ser cadete, oficial, coronel e,
principalmente, comandante. Então, a gente precisa da proteção de Deus e de um
esforço na vida para lutar e conseguir vencer. Eu, por exemplo, nasci no
interior [São Bento do Trairi], vim morar em Natal, em um bairro periférico, em
Felipe Camarão, mas tive a oportunidade de meus pais me criarem bem e me
colocarem para estudar. Por isso, consegui chegar a uma faculdade e estudar em
vários países pelo mundo, até que fui nomeado coronel e depois comandante.
Em sua trajetória pessoal, desde a
infância, qual o momento mais difícil que o senhor se recorda?
Quando eu vim do interior morar em
Natal, ainda criança, fui para um bairro sem água, luz, saneamento e nem rua
calçada. Eu estudava na escola 12 de Outubro, nas Quintas, e tinha que ir e
volta a pé, pois não tinha dinheiro para ônibus. Papai trabalhava como
borracheiro e mamãe cuidava da gente em casa, então, às vezes a gente não tinha
o que almoçar ou jantar. Lembro que algumas vezes nosso almoço era soda, mais
conhecida como broa. O dinheiro que papai ganhava dava as condições de viver,
mas com uma vida muito simples. Para vocês terem uma ideia, a primeira vez que
eu dormi em uma cama foi quando fui para o Exército, aos 18 anos. Conheci uma
maçã também aos 18 anos.
O senhor trilhou todo o caminho
dentro da Polícia Militar, desde cadete até coronel. Depois que assumiu o cargo
de comandante geral, viu que era como imaginava ou muita coisa era diferente?
Eu tive oportunidade de ser ajudante
de ordem do coronel Mesquita e, depois, fui chefe de gabinete de outro
comandante, que foi o coronel Reis. Então, eu tinha familiaridade e entendia as
particularidades de um comandante, o sofrimento e angustia. Acontece que tudo
isso se passou em momentos diferentes, primeiro em 1996, como ajudante de ordem
e, em 2001, como chefe de gabinete. Como o tempo vai passando, aumenta as
necessidades e demanda. A própria sociedade vai evoluindo a as
responsabilidades de um comandante vai aumentando. Eu costumo reunir os
oficiais e dizer a eles que hoje eu sou feliz. Amanhã eu estarei na reserva e
vou ligar para o futuro comandante e sabendo que as dificuldades dele serão
muito maiores. Eu sou um comandante que enfrento a época da epidemia chamada
crack. No futuro, serão outras epidemias.
Pessoas que o conhecem, como
jornalistas que cobrem a área de segurança, costumam defini-lo como um homem
com bastante jogo de cintura, tendo bom relacionamento com sua tropa, mas
também com gestores e representantes de todos os segmentos sociais. O cargo de
comandante geral requer essa habilidade?
Sem dúvida. Eu acredito que consigo
viver bem em todos os ambientes justamente pela minha formação pessoal. Vivi no
interior, em bairro periférico e sei das dificuldades das pessoas para
conquistar as coisas, mas também já tive dias de ficar hospedado em hoteis
cinco estrelas e ao lado de autoridades mundiais, como ministros, presidentes e
até secretário geral das Nações Unidas.
Toda essa vivência o lapidou para o
cargo de comandante geral?
Sim. Mas o principal é a formação que
eu tive em casa, de pai e de mãe, que cuidaram de mim e me mostraram o caminho
do trabalho e do estudo. Papai e mamãe sempre diziam: você só vai conseguir
alguma coisa na vida se estudar e se preparar.
Passado esses três anos a frente da
Polícia Militar, o senhor acredita que conseguiu cumprir as ideias e
planejamentos do começo da gestão?
Eu digo que tudo que conseguimos é um
trabalho em conjunto de todos os militares: soldado, cabo, sargento, tenente,
capitão, major e coronel. Sozinho o comandante não é nada. Além de ter esse
esforço interno, eu conto com apoio de entidades como Ministério Público, do
poder judiciário, das lideranças comunitárias, da imprensa e a proteção de
Deus, que nos dá o caminho para seguirmos nessa luta.
Qual foi o momento mais difícil da
gestão?
Todas as secretarias de Estado têm
muitas dificuldades, como limitações financeiras. A Polícia Militar não é
diferente. Porém, o momento mais crítico foi o pleito do subsídio para
policiais militares, que era uma luta de décadas para que tivéssemos salário
integral. Havia, inclusive, movimento nacional da melhoria de salário. Esse foi
um período de dificuldades, de preocupações, da incerteza, mas, no final, logramos
êxito. Construímos esse projeto em conjunto. Nunca a Polícia Militar havia
discutido o aumento salarial ou implementação de um plano junto com a tropa e
nós discutimos com todos os policiais e levamos à governadora. Foi um momento
de tensão, porque em todos os estados estavam sendo deflagradas greves e nós
conseguimos manter o equilíbrio.
Como o senhor se sente quando ver a
Polícia Militar sendo criticada e até mesmo culpada pela insegurança?
Às vezes a gente sente uma angustia
em querer fazer e não poder, devido nossas limitações. Limitações de recursos
matérias, recursos humanos e infraestrutura. Mas, o que nos conforta é
conversar com comandantes gerais de outros estados, alguns de estados ricos, e
ver que eles têm as mesmas angustias, porque acontecem coisas que a PM não tem
condições de agir. Um exemplo disso, recentemente Santa Catarina sofreu com uma
grande onda de violência. Eu liguei para o coronel Nazareno, comandante da PM
de lá, e ele me disse que Santa Catarina era um dos estados mais tranquilos do
Brasil e da noite por dia se tornou o mais inseguro do país e lá tem uma
infraestrutura grande. Recentemente, aqui no Rio Grande do Norte, nós tivemos
três ocorrências com pessoas feitas reféns e isso nos deixa muito angustiado,
porque chegam momentos em que não depende só da gente.
Por ser uma figura pública e uma das
mais conhecidas em todo Rio Grande do Norte. Comenta-se nos bastidores, que o
senhor almejaria um cargo político quando deixar o Comando da PM e for para
reserva. Isso é verdade?
O que eu tenho a dizer é que tinha um
grande sonho de ser oficial da Polícia Militar, em seguida, de ser coronel e,
depois, de me tornar comandante. Hoje, vivo feliz liderando essa tropa e
procuro retribuir cada dia essa confiança que recebi dos militares e da
governadora que me manteve na função. Enquanto ela achar que eu devo permanecer
aqui, vou procurar fazer o máximo pela segurança pública do Estado. Se no
futuro eu receber outra missão, estarei pronto para cumprir, mas, hoje, minha
missão é comandar a Polícia Militar do Rio Grande do Norte.
PORTAL BO
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